Responsabilidade pelos custos da armazenagem de importações retidas pela Receita Federal

Como uma das atividades da Receita Federal, a verificação e retenção de mercadorias importadas é prática nos portos, aeroportos e EADI (Estação Aduaneira Interior) para análises, conferências e, quando for o caso, aplicação de penalidades por infrações. Durante a fiscalização das mercadorias parametrizadas em canal diferente do verde, entre a chegada da mercadoria ao Brasil e o desembaraço aduaneiro pelo órgão federal, a carga permanece depositada em armazém alfandegado, que possui custo elevado, o que impacta no modelo de negócio.

O objetivo desse artigo é apresentar, sem o intuito de esgotar o tema, o procedimento e prazos de fiscalização e identificar o responsável pelo pagamento dos custos de armazenagem.

A mercadoria importada, ao ingressar no local de desembarque, deve ser objeto de registro da “Declaração de Importação” (ou, na praxe, denominada simplesmente “DI”), para análise fiscal e encaminhamento a um dos canais de conferência aduaneira, identificado pelas cores “verde”, “amarelo”, “vermelho” ou “cinza”.

A importação parametrizada em canal verde estará liberada para recebimento imediato pelo importador, o que não ocorre nos demais canais, para os quais haverá conferência por auditor fiscal, dentro do prazo de dezesseis dias. Nesse prazo, além de conferir a mercadoria, ele investiga eventuais fraudes, enquanto a carga permanece em armazém alfandegado, gerando custos de armazenagem.

Decorrido tal prazo, constatados indícios de fraude aduaneira e parametrizada a importação em canal cinza, se inicia o “Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras”. Caso a apuração recaia sobre infração punível com perna de perdimento, a mercadoria retida ou apreendida permanecerá, até o final do procedimento, no armazém, implicando em mais custos.

O procedimento de fiscalização deve durar, no máximo, cento e vinte dias para conclusão, sendo que eventuais exigências realizadas pelo auditor fiscal suspendem o referido prazo. Isso demonstra que o prazo real para conclusão do procedimento pode, não raro, ultrapassar seis meses, fazendo com que as mercadorias importadas permaneçam em armazém por longo período.

Portanto, exceto para cargas parametrizadas em canal verde, as demais poderão permanecer por prazo indeterminado em armazém, haja vista que não há na legislação que fixe prazo máximo para conclusão do procedimento administrativo e, durante o seu curso, há casos que admitem a manutenção da carga apreendida até o esgotamento da via administrativa.

Apenas a título ilustrativo, numa consulta hipoteticamente realizada em 21/03/2022 com base na “Tabela Básica do Porto de Santos”, verifica-se que uma carga de R$ 100.000,00 geraria um custo de armazenagem de aproximadamente R$ 50.000,00 caso mantida por sessenta dias em armazém. Portanto, cerca de metade do valor da carga seria acrescentado para a liberação, em caso de retenção ou apreensão pela Receita Federal, em um procedimento de duração considerada rápida, ou seja, de dois meses! E, na prática, não é raro que mercadorias permaneçam retidas em períodos de quase um ano, aguardando conclusões de investigações e procedimentos administrativos1.

Os armazéns alfandegados são de propriedade da União, a qual cede o seu uso, via contratos de permissão ou concessão para particulares. Assim, em tese, no período em que as mercadorias permanecem retidas para fiscalização pela Receita Federal não deveriam incidir custos de armazenagem a encargo dos importadores investigados.

Mas, enquanto há decisões judiciais que se inclinam a decidir ser sempre responsabilidade da Receita Federal o custeio dessa armazenagem, há posicionamentos divergentes, apontando que apenas quando houver excesso de prazo na fiscalização pela Receita é que será sua a responsabilidade pelo pagamento de tais custos.

Nesse sentido, em julgado antigo do Supremo Tribunal Federal, se decidiu que “retardado o desembaraço de mercadorias por fato atribuível à Administração Pública, o ônus da armazenagem além do período normal de depósito cabe a essa última e não ao particular2.

Em complemento, em julgado mais recente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região concluiu que o julgamento de improcedência do processo administrativo demonstra que a única causadora do custo da armazenagem foi a Receita Federal, devendo ela ser a responsável pelo pagamento3.

No mesmo sentido, no caso em que a ação fiscal foi julgada improcedente e, apesar disso, exigiu-se o pagamento da armazenagem para liberação da mercadoria, concluiu o Tribunal de Justiça de São Paulo que a obrigação de quitação era da Receita Federal4.

Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aplicou interpretação diversa e concluiu que, até a aplicação de pena de perdimento, o custo da armazenagem é de responsabilidade do importador5, pois, no caso concreto, ocorreu a procedência da ação fiscal e aplicação de penalidades, demonstrando ter havido causa para a retenção ou apreensão realizada pela Receita Federal.

Portanto, diante da omissão legislativa e indicação expressa sobre quem é o responsável pelo pagamento dos custos de armazenagem, as interpretações judiciais variam acerca de quem cabe tal ônus. Logo, é na avaliação das circunstâncias do caso concreto que será possível definir a viabilidade de questionar judicialmente a cobrança de tais custos e atribuir o ônus de seu pagamento à Receita Federal, o que traria uma significativa economia ao importador que se encontre nessa situação.

1Fonte: http://www.portodesantos.com.br/informacoes-operacionais/operacoes-portuarias/tarifas-portuarias/ acesso em 21/03/2022

2 1ª Turma, RE nº 69.200/SP, Rel. Ministro Barros Monteiro, DJU 01.04.1970.

3 TRF4, AC 5005899-92.2013.4.04.7208, PRIMEIRA TURMA, Relator AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, juntado aos autos em 12/06/2017

4 TJSP; Apelação Cível 1027053-72.2018.8.26.0562; Relator (a): Francisco
Giaquinto; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/03/2020; Data de Registro: 12/03/2020

5 AC nº 0013516-74.2009.4.03.6104/SP, 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Relator Juiz Federal Rubens Calixto, Data de Julgamento: 06/02/2014). (TRF4, APELREEX 5002860-58.2011.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator NICOLAU KONKEL JÚNIOR, juntado aos autos em 23/03/2015

Amanda Fagundes, advogada especializada nas áreas de Cível Estratégico, Consumidor e Serviços;

Deborah Fonseca, advogada especializada nas áreas de Cível Estratégico e Consultoria Cível.

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