O STJ decidirá em sede de recursos especiais repetitivos se produtores rurais com menos de 2 anos de registro na junta comercial podem pedir recuperação judicial

A 2ª seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definirá, em sede de recurso repetitivo, se os produtores rurais que possuem comprovação do exercício de atividades por mais de dois anos, podem entrar com o processo de Recuperação Judicial, ainda que o registro na Junta Comercial tenha sido feito em prazo anterior ao biênio previsto no art. 48 da Lei nº. 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências).

No caso, essa controvérsia foi cadastrada como Tema nº. 1145, no sistema de recursos repetitivos da 2ª Seção do STJ, onde foram separados os Recursos Especiais de nº. 1.905.573 e nº. 1.947.011, como casos representativos dessa controversa, ambos de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão.

Basicamente o cerne da questão a ser resolvida é se o registro do produtor rural na Junta Comercial possui natureza declaratória ou constitutiva, ou seja, se tal registro apenas oficializa uma situação já existente, ou se ele de fato constitui o início da atuação do produtor rural sob o regime empresarial.

Essa é uma questão que afeta diretamente as ações de recuperações judiciais e falências requeridas por produtores rurais, já que o artigo 48 da Lei nº. 11.101/2005 determina como um dos requisitos do pedido de recuperação judicial, exercer o devedor regularmente por mais de dois anos as suas atividades, sendo o registro um dos requisitos necessários para a atividade regular das empresas em geral.

No entanto, muito produtores rurais têm entrado com o pedido de recuperação judicial, ainda que não tenham de fato o registro junto aos órgãos competentes dentro do biênio estabelecido no já mencionado artigo 48 da lei de falências, os quais, muitas vezes, apenas efetivam esse registro pouco tempo antes do pedido de recuperação, como uma medida preparatória para essa ação.

Assim, muitos credores têm questionado sobre a possibilidade de produtores rurais, que tenham se registrado na junta em período inferior a dois anos, em pedir a sua recuperação judicial, tendo em vista que a comprovação do exercício regular da atividade pelo devedor, se daria com o seu devido registro nos órgãos competentes, não sendo possível assim, dentro desse entendimento, que produtores rurais com registro em prazo inferior a esse, ajuizassem um pedido de recuperação judicial, por não cumprirem com o requisito previsto no art. 48 da Lei nº. 11.101/2005.

Contudo, pelo lado dos produtores rurais, vêm se alegando que boa parte deles sempre exerceu as suas atividades sem o registro na junta comercial, ou em qualquer outro órgão, eis que esse não seria um requisito necessário para a sua atuação como produtor rural, sendo o registro na junta comercial apenas uma formalidade que atestaria uma situação fática já existente.

Resta claro, portanto, a existência de duas correntes sobre o tema, sendo a primeira consistente naqueles que entendem que o registro na junta comercial, ou em qualquer outro órgão competente, possui a natureza constitutiva, ou seja, que a atividade regularmente constituída apenas passa a existir com o registro, estando, do outro lado, aqueles que entendem que o registro possui apenas natureza declaratória, significando isso que tal registro apenas declara uma realidade já preexistente, podendo a comprovação do exercício da atividade rural dentro do prazo mínimo estabelecido no art. 48 da Lei nº. 11.101/2005 ser comprovada por outros documentos.

Com isso, há uma grande divisão no entendimento jurisprudencial sobre o tema, pois há tribunais de justiça que entendem tanto pela natureza constitutiva do registro, quanto há outros que entendem pela natureza meramente declaratória, o que traz grande insegurança jurídica para todos os envolvidos, em especial produtores rurais e seus credores.

Na última reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências, efetivada pela Lei nº. 14.112/2020 (cuja vigência se iniciou em 23/01/2021), foram acrescentados os parágrafos 2º a 5º no mencionado art. 48 da lei de falências, no sentido de já permitir ao produtor rural comprovar o exercício de suas atividades com o uso dos documentos ali expressamente listados, como uma forma de remediar essa questão.

Mas há, ainda, diversas ações de Recuperação Judicial que estão com essa questão pendente de julgamento, em especial aquelas ajuizadas anteriormente à referida reforma, sendo tal questão de extrema importância para o setor agropecuário brasileiro, mantendo-se a incerteza quanto a esse tema, em tais circunstâncias.

É por essa razão que o Ministro Relator dos Recursos Especiais de nº. 1.905.573 e nº. 1.947.011, Luís Felipe Salomão, entendeu por levar essa discussão para a 2ª Seção do STJ, a qual engloba as terceira e quarta turmas, especializadas no Direito Privado, a fim de julgar e decidir definitivamente sobre o tema, com o julgamento dos recursos repetitivos, para, com isso, uniformizar a jurisprudência dos tribunais estatuais sobre a questão.

Assim, o futuro julgamento do Tema Repetitivo 1145, pela 2ª Seção do STJ, acarretará em uma grande mudança nas relações comerciais e de crédito com produtores rurais, pessoas físicas, pois todo e qualquer fornecedor ou instituição de crédito, terá agora sempre ter em vista a possibilidade de seu crédito vir a ser afetado por um processo de recuperação judicial, e especialmente em razão das diversas ações já ajuizadas em que têm o tema pendente de resolução.

De qualquer forma, pelas posições já apresentadas em outros julgados no STJ, inclusive de relatoria de Ministro Luíz Felipe Salomão, são grandes as chances de prevalecer o entendimento pela natureza constitutiva do registro do produtor rural na junta comercial, possibilitando, assim, que possam requerer a sua recuperação judicial perante o Poder Judiciário, ainda que não tenham um registro junta comercial com a antecedência mínima de dois anos.

Fábio Gonçalves, advogado da área de Recuperação de Crédito no S&S.

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