CONTROVÉRSIAS ACERCA DA CITAÇÃO VIA APLICATIVOS

A citação é um dos mais importantes atos processuais, e visa dar ciência aos demandados acerca da existência da tramitação de ação judicial contra si ou em desfavor de seus interesses. As formas mais utilizadas para seu cumprimento e efetivação são o sistema de correios e a entrega de mandados por oficiais de justiça.

Tais procedimentos, todavia, encontram claras falhas, sendo facilmente atrasados por partes que buscam evitar o recebimento da citação, ou, pelo extravio dos avisos de recebimento (AR´s), situações que retardam o andamento do processo e trazem graves prejuízos às partes e ao sistema judiciário, de uma forma geral.

As reformas trazidas à sistemática de tramitação dos processos judiciais pelo advento do Código de Processo Civil/2015, dentre outras questões, têm o claro intuito de conferir maior celeridade aos processos, valendo-se da atualização e modernização de mecanismos processuais e técnicos dos próprios tribunais.

Antes dessa reforma, porém, a informatização dos tribunais se iniciou com a publicação da Lei n.º 11.419/2006, responsável pela digitalização dos processos judiciais, e possibilitou o uso de meio eletrônico na tramitação e comunicação de atos processuais, notadamente as intimações digitais.

Feito o panorama inicial, há uma clara disposição dos operadores do direito em favor de adaptar o sistema judiciário às novas tecnologias e, dessa forma, aprimorar os processos em geral, garantindo eficácia e celeridade.

É nesse contexto que surge o questionamento acerca da possibilidade de utilização de aplicativos de mensagens, a saber, o WhatsApp e o Telegram, como mecanismos de comunicação formal de atos processuais em procedimentos judiciais.

Tais ferramentas nada mais são do que aplicativos de comunicação por mensagens eletrônicas, sendo atualmente, dois dos meios de comunicação de maior difusão na sociedade, pois são de fácil e rápido acesso à maioria da população.

É inegável que os aplicativos conferiram maior efetividade e grande dinâmica às comunicações, inovando a troca de mensagens eletrônicas entre os usuários, em comparação aos sistemas anteriormente utilizados.

No entanto, nos parece haver uma lacuna na legislação vigente, quanto à possibilidade de utilização de aplicativos de mensagens para a comunicação e efetivação de atos processuais, como a citação de Réus, por exemplo.

Essa questão vem sendo posta diante dos tribunais nos mais diversos contextos, sendo necessário que magistrados equacionem o atendimento das formalidades legais, sem prejuízo aos princípios da celeridade e razoável duração do processo.

Na busca por melhores instrumentos para aperfeiçoar a prestação jurisdicional e a comunicação, o Supremo Tribunal Federal editou a Resolução nº 661[1], para disciplinar a possibilidade de utilização de meios digitais para a comunicação de atos oficiais, sendo requisito para sua validade a prova verificável e inquestionável do envio e entrega da mensagem ao destinatário, assim como de seu conteúdo original, incluindo os arquivos anexos.

A comprovação de entrega como exigência é uma garantia constitucional do direito ao devido processo legal, e referenda o cumprimento de ato formal e legal, evitando eventuais falhas nos sistemas utilizados para o referido envio de intimações.

Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça[2] facultou a utilização do aplicativo Whatsapp nos Juizados Especiais Cíveis, àqueles que optarem para recebimento de intimações por essa ferramenta, na medida em que a lei de criação dos microssistemas prevê a realização do ato citatório por “qualquer meio idôneo de comunicação”.

No âmbito do processo penal, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça[1] possibilitou a citação pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, em decorrência da pandemia do vírus COVID-19.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[2] validou a citação via WhatsApp ou e-mail de um restaurante, após seis tentativas frustradas de citação postal.

Todavia, na contramão desse entendimento, muitos tribunais estaduais[3], em decisões legalistas, afirmam que a norma somente permite a comunicação eletrônica de atos processuais em sistemas oficiais, não incluindo, portanto, aplicativos de mensagens, tais como o WhatsApp e Telegram.

Daí verifica-se, claramente, a existência de um conflito de interpretação da norma entre órgãos judiciais brasileiros. Porém, sendo o Superior Tribunal de Justiça, por delegação constitucional, o autêntico intérprete das normas federais, caberia aos tribunais locais adequar a sua jurisprudência, a uniformizando de acordo com a instância superior, ainda que o entendimento não seja sumulado.

Ainda que a busca por maior eficiência e celeridade não possa ocorrer em detrimento da correção e acuidade técnica, nos parece plenamente viável e factível, em se tratando de procedimento citatório, atestar a certeza do recebimento da referida citação.

A criação de um sistema eletrônico próprio de cada Tribunal, ou centralizado para todos os órgãos judiciais nacionais não traria inovações, na medida que aqueles que se furtam em receber o mandado, seja pelos correios ou por oficiais de justiça, também o fariam nessas plataformas, deixando de se cadastrar, e dessa forma, obstar a finalidade do ato.

Os aplicativos de envio de mensagens, por sua vez, já existem e são amplamente difundidos na cultura da sociedade; portanto, garantiriam efetividade e celeridade às citações, de modo nunca visto no sistema judicial brasileiro.

Deve-se, todavia, se atentar aos mecanismos que permitem a identificação do efetivo recebimento de referida citação, por identificação de foto, titularidade e certificação de visualização do ato judicial via aplicativos, o que demanda cooperação entre o Poder Judiciário e as empresas detentoras desses sistemas, assim como o aprimoramento das cadeias de autenticação e criptografia das mensagens.

Em verdade, a legislação não acompanha previamente as transformações sociais, nem tampouco as inovações e evoluções tecnológicas, e esse fato não pode servir de justificativa para sua não alteração ou adequação, especialmente quando a utilização em procedimentos judiciais traria tamanho benefício à efetividade da Justiça e à finalidade do ato judicial.

Além disso, o sujeito que se furta da citação nos meios já difundidos, também buscará fazê-lo se tais formas evoluírem e inovarem. Não surpreenderia, por exemplo, que houvesse uma desinstalação em massa dessas plataformas digitais.

A reflexão, todavia, deve ser avaliada, também, pelo viés da realidade social em que está inserida a população brasileira. A pandemia de COVID-19 escancarou as diferenças econômicas e tecnológicas da sociedade.

Nesse sentido, a institucionalização de meio moderno e tecnológico para concretização de atos formais do Poder Judiciário pode encontrar óbice nas diferenças de realidade e acesso da população aos meios digitais, o que, eventualmente, dificultará o exercício dos direitos e garantias constitucionais de acesso à Justiça, na sua mais ampla concepção.

Não há dúvidas acerca da existência de controvérsia sobre o tema, porém somente será possível a sua superação, se houver amplo debate sobre ele. Também não se ignora o fato de que muitas questões sociais deverão ser ponderadas e superadas para que esse meio seja utilizado amplamente, sem comprometimento do acesso à Justiça, em especial, pela população mais vulnerável.

Assim, somente com o alinhamento da legislação processual e da jurisprudência aos impactos das questões socioeconômicas afetadas por essa evolução tecnológica, será possível viabilizar o manejo de aplicativos de mensagens, para realização de citações válidas por meio eletrônico, ainda que não se deixe de reconhecer as vantagens práticas de sua utilização.

[1] Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, considera-se:

I – mensagem eletrônica registrada: aquela que, transmitida em meio digital, produz prova verificável e inquestionável do envio e entrega da mensagem ao destinatário, assim como de seu conteúdo original, incluindo os arquivos anexos;

Art. 3º A mensagem eletrônica registrada é meio hábil e oficial para a comunicação institucional do STF com as instituições cadastradas.

[2] Procedimento de Controle Administrativo nº 0003251-94.2016.2.00.0000.

[3] Neste caso, o paciente foi citado por meio de aplicativo instantâneo de troca de mensagens por telefone celular (WhatsApp). Esse formato foi adotado pelo Tribunal a quo, sobretudo em razão da emergência sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus (STJ, 5ª Turma, RHC n.º 140.752/DF, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 09.03.2021)

[4]  TJSP, 2ª Câm. Dir. Empresarial, AI n.º 2101365-34.2021.8.26.0000, rel. Des. Araldo Telles, j. 06.05.2021).

[5] Pretensão de reconhecimento da citação do executado realizada pela exequente através aplicativo WHATSAPP – Descabimento Ausência de previsão legal para citação via whatsapp – O ato de citação deve ocorrer por determinação do juízo e revestido das formalidades legais Executado que não foi cientificado da decisão que fixou os alimentos provisórios, visto que a carta precatória para sua citação ainda não foi cumprida Além disso, a cópia das conversas anexadas pela exequente não comprovam de forma inequívoca a ciência do executado em relação à fixação dos alimentos provisórios. (TJSP, 8ª Câm. Dir. Priv., Ap. n.º 0003751-40.2020.8.26.0019, rel. Des. Salles Rossi, j. 26.09.2020).

Felipe Berton Badari, advogado especialista em direito cível consultivo, contencioso estratégico e recuperações judiciais.

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