A Responsabilidade do Vendedor e Empresas Concessionárias e Locadoras pelos tributos e multas posteriores à venda do Veículo: uma dor de cabeça que pode ser evitada

Por Amanda Fagundes Magraner

Atualmente é comum a venda de veículos seminovos, seja pela sociedade, como também pelas empresas, pelos mais variados fins, como para renovação de frota, leilões de veículos sinistrados realizados por seguradoras, leilões de veículos realizados por instituições financeiras para quitação de débitos, entrega de veículos seminovos como entrada para aquisição de outro. 

Ao realizar a venda de um veículo seminovo, é importante que o vendedor esteja atento à legislação e procedimentos do órgão de trânsito, os cumprindo adequadamente, a fim de evitar ser surpreendido no futuro com cobranças de impostos, taxas, multas de trânsito do veículo vendido, ainda mais quando o veículo é arrematado em leilões e entregue para pessoas desconhecidas pelo vendedor.

Aos olhos da legislação civil, a transferência de propriedade de bens móveis ocorre com a entrega do veículo pelo vendedor ao comprador, momento a partir do qual o comprador será responsável pela guarda do veículo e por todos os débitos dele decorrentes. Contudo, por se tratar de veículos automotores, existe uma legislação específica sobre a venda de veículos seminovos, que deve ser observada, tanto pelo vendedor como pelo comprador. 

É necessário que a propriedade do veículo seja regularizada perante o órgão de trânsito, para tanto, o Código de Trânsito Brasileiro concede ao comprador o prazo de 30 dias para realizar a transferência da propriedade do veículo para o seu nome, sob pena de aplicação de multa de natureza média e remoção do veículo (artigo 233, CTB).

Caso ultrapassado o prazo, ao vendedor é dado o prazo de 60 dias para comunicar a venda ao órgão de trânsito, a qual é realizada por meio da apresentação da cópia do comprovante de transferência de propriedade. 

O vendedor deve estar atento ao prazo para realização da comunicação da venda e acompanhe o processo de transferência da titularidade, pois, se não for cumprido, poderá responder, em conjunto com o comprador, pelos débitos decorrentes da propriedade do veículo, como impostos, taxas, penalidades e, ainda, receber a pontuação ou multa correspondente por infrações de trânsito que não cometeu.

A solidariedade entre vendedor e comprador pelos débitos do veículo, cujo fato gerador ocorreu após a venda, está prevista expressamente no artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual é rigoroso ao responsabilizar o vendedor do veículo por débitos e penalidades que não deu causa.

Isso porque, não são raros os casos em que ocorre o extravio do comprovante de transferência de propriedade ou algum vício em tal documento, impedindo que o vendedor consiga realizar a comunicação da venda ao órgão de trânsito e, como consequência, permaneça como proprietário do veículo, estando suscetível a receber cobranças dos impostos e demais débitos decorrentes da propriedade e utilização do veículo.

Também é comum que o vendedor tome ciência da irregularidade da transferência de propriedade anos após a venda do veículo, hipótese em que há um valor considerável a ser quitado a título de IPVA e, eventualmente, diversas multas por infrações de trânsito que não foram por ele cometidas, lhe causando prejuízos inestimáveis.

Nessas situações, como a propriedade do veículo ainda está em nome do vendedor, caso os débitos decorrentes de multas, IPVA e licenciamento não sejam quitados, pode ocorrer a inscrição do débito em dívida ativa e posterior ajuizamento de execução fiscal pelo fisco em face do vendedor, que, além de ser inscrito no CADIN e receber diversas restrições de crédito e comerciais, poderá sofrer penhora de seus bens para quitar a dívida do comprador.

Por não estar mais na posse do veículo, o vendedor não possui os meios necessários para obter a segunda via do documento extraviado, já que é necessária a realização de vistoria do veículo e apresentação de documentação exigida pelo órgão de trânsito, estando, portanto, à mercê do comprador, que, muitas vezes já revendeu o veículo a terceiros ou, então, poderá estar utilizando o veículo livremente, sem responder pelas penalidades, inclusive, se esquivando do pagamento dos débitos.

Casos em que o comprador não foi localizado, recusou-se a realizar a regularização da propriedade perante o órgão de trânsito ou revendeu o veículo a terceiro foram levados ao Poder Judiciário. Ao julgá-los, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que os débitos decorrentes de IPVA, cujo fato gerador ocorreu após a venda, não podem ser atribuídos ao antigo proprietário, e editou a Súmula 585[1], afastando, assim, a solidariedade entre o vendedor e o comprador.

Contudo, a súmula em questão não afastou a responsabilidade solidária do vendedor pelo adimplemento dos demais débitos decorrentes da propriedade do veículo, inclusive por multas de trânsito, prosseguindo um amplo debate pelo Poder Judiciário em relação ao tema. 

Em casos recentes, o Superior Tribunal de Justiça mitigou a aplicação da responsabilidade solidária e consignou que, caso o vendedor comprove que vendeu o veículo, ou que a infração de trânsito não foi cometida por ele, mesmo que não tenha realizado a comunicação da venda, a sua responsabilidade pelos débitos posteriores à venda poderá ser afastada[2].

O Poder Judiciário agiu acertadamente, já que o fato de não ter sido realizada a transferência de propriedade do veículo perante o órgão de trânsito não obsta que o vendedor comprove a venda por outros meios.

Assim, mesmo que não possua o comprovante de transferência de propriedade, é possível que o vendedor se socorra ao Poder Judiciário para cientificar o órgão de trânsito sobre a venda do veículo, comprovar a venda do veículo mediante a apresentação de contrato de venda e compra, carta de arrematação, declaração do comprador ou outros documentos idôneos, e, dessa forma, afastar responsabilidade solidária pelos débitos posteriores à venda, cujo ônus pelas sanções e adimplemento será exclusivamente do comprador. 

Se o vendedor de um veículo automotor estiver nessa situação e receber autuações ou cobranças do órgão de trânsito de veículo vendido a terceiro, recomenda-se a análise da documentação sobre a venda e o imediato ajuizamento de ação judicial para viabilizar a regularização da propriedade e, ainda, afastar a solidariedade pelo adimplemento de débitos que não deu causa.

[1] Súmula 585 – A responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro CTB, não abrange o IPVA incidente sobre o veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação.
[2] (AgInt no REsp n. 1.832.627/SP)

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