ANULAÇÃO E REDUÇÃO DE MULTAS APLICADAS PELO PROCON E DECON

As fiscalizações realizadas pelos órgãos de defesa do consumidor é um tema de enorme preocupação pelos fornecedores de produtos e serviços, que, no exercício de suas atividades, podem se sujeitar à imposição de penalidades ilegais ou exorbitantes, impactando diretamente no seu faturamento.

O PROCON e o DECON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) são órgãos administrativos instituídos por lei para resguardar os direitos dos consumidores, mediar eventuais conflitos com os fornecedores de produtos e serviços, fiscalizar as atividades por eles exercidas e instaurar processos administrativos para apuração de eventuais infrações; podem, a partir disso, aplicar multas de caráter sancionatório e pedagógico, de modo a coibir a atuação nociva de empresas perante a coletividade, considerada vulnerável.

O PROCON e o DECON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) são órgãos administrativos instituídos por lei para resguardar os direitos dos consumidores, mediar eventuais conflitos com os fornecedores de produtos e serviços, fiscalizar as atividades por eles exercidas e instaurar processos administrativos para apuração de eventuais infrações; podem, a partir disso, aplicar multas de caráter sancionatório e pedagógico, de modo a coibir a atuação nociva de empresas perante a coletividade, considerada vulnerável.

Nessa esfera, muitas são as situações apresentadas, como, por exemplo,  o fornecedor que não cometeu qualquer ato contrário à legislação consumerista, mas, por supostamente não ter cumprido um acordo, não tem a oportunidade de se manifestar sobre questões levantadas pelo consumidor após a apresentação da defesa administrativa; ou, então, para esclarecer que o vício apontado pelo consumidor decorre de sua má utilização – e, em tal hipótese, não há como obrigar o fornecedor a atender a reclamação. Nesse caso, o órgão de defesa do consumidor considera a reclamação como “fundamentada não atendida”, aplicando arbitrariamente uma penalidade ao fornecedor.

Em outros, o PROCON ou o DECON sequer intimam o fornecedor para se manifestar sobre a “réplica” feita pelo consumidor ou para comprovar o cumprimento de um acordo, bastando que ele simplesmente alegue que não houve adimplemento, ou que houve violação às leis consumeristas, para que seja aplicada uma penalidade ilegal. Essa conduta é temerária, pois viola o direito dos fornecedores ao exercício do contraditório e ampla defesa, com decisão administrativa normalmente desprovida de motivação e fundamentação.

De acordo com tais órgãos, as multas aplicadas no âmbito administrativo não poderiam ser revistas pelo Poder Judiciário, em razão da separação dos Poderes. Contudo, conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça2,é possível a revisão e a anulação das penalidades pelo Poder Judiciário, quando: (i) não há infração; (ii) há interpretação equivocada de tese jurídica pelo órgão administrativo; ou quando (iii) violado o princípio do devido processo legal. Diante de tais circunstâncias não se considera interferência no mérito do ato administrativo, mas, sim, o controle externo de sua legalidade.

Adotando essa orientação, em decisão recente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais anulou a multa aplicada pelo PROCON em face de uma empresa fornecedora de planos de saúde3, pois verificou que ela não cometeu ato ilícito e contrário à legislação consumerista.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a procedência4 de ação ajuizada pelo fornecedor contra o PROCON, para anulação da multa aplicada em processo administrativo, já que o referido órgão não tem competência para analisar teses jurídicas, muito menos aplicar multas por defeito de produtos, quando o fornecedor apresenta laudo técnico atestando que o vício é decorrente de sua má utilização.

Já nos casos em que há, de fato, alguma infração cometida pelo fornecedor, o órgão de defesa do consumidor deve, sim, aplicar uma penalidade, embora a dosimetria para a sua fixação deva observar os critérios previstos em lei5: a) gravidade da infração; b) a vantagem auferida; c) a condição econômica do infrator; c) extensão dos danos sofridos pelo consumidor; d) circunstâncias atenuantes e agravantes e; e) antecedentes do infrator, devendo ser proporcional à infração cometida e ao bem jurídico envolvido.

Em muitas oportunidades, o que se observa, no entanto, é que tais critérios não têm sido observados, já que os órgãos de defesa dos consumidores aplicam multas em valores elevadíssimos e incompatíveis com o valor do produto ou serviço adquirido pelo consumidor.

Recentemente, o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Vitória/ES, ao julgar a defesa apresentada no processo nº 0033536-77.2013.8.08.0024 verificou que a multa aplicada pelo PROCON, no valor de R$ 35.647,69 não é razoável nem proporcional ao caso concreto, reduzindo-a para R$ 12.000,00, pois, assim, cumpriria a sua função pedagógica e sancionatória, sem gerar enriquecimento ilícito dos órgãos de proteção ao consumidor.

Isso não ocorreu apenas nesse caso. Em pesquisas nos tribunais estaduais, é possível verificar que grande parte das multas aplicadas pelos PROCONs e DECONs são revistas pelo Poder Judiciário.

Portanto, para evitar sanções desprovidas de fundamentação, é necessária uma atuação ativa e preventiva dos fornecedores na esfera administrativa, com a apresentação de todos os documentos e esclarecimentos aos órgãos de defesa do consumidor, para evitar a aplicação administrativa de sanções e evitar o acionamento judicial.

Ainda, com o advento das normas de compliance, se tornou uma obrigação interna das empresas a atenção aos assuntos consumeristas, eis que elas devem se adequar às normas dos órgãos de regulamentação, a fim de evitar que a fiscalização administrativa tenha livro aberto para realizar autuações ilegítimas contra si.

De qualquer modo, é sempre importante avaliar as circunstâncias dos casos concretos, quando há aplicação de multa na esfera consumerista, pois é possível acionar o Poder Judiciário a fim de anular ou reduzir penalidades ilegitimamente fixadas, seja pelo contexto, seja pelo valor exorbitante.

Nossa banca possui ampla expertise nessas situações, com a atuação efetiva, tanto da esfera administrativa, como na judicial, seja para promover os esclarecimentos necessários, como também, mitigar as consequências sofridas pelas empresas, em decorrência da conduta temerária e dos excessos praticados pelos órgãos de defesa do consumidor que, em alguns casos, fogem da razoabilidade, proporcionalidade e justiça na aplicação das penalidades.

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[1] “4. O entendimento do Tribunal recorrido, no sentido de que o Procon tem poder de polícia para impor multas decorrentes de transgressão às regras ditadas pela Lei n. 8.078/90, está em sintonia com a jurisprudência do STJ, pois sempre que condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente os consumidores, é legítima a atuação do Procon para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, decorrentes do poder de polícia que lhe é conferido. Acresça-se, para melhor esclarecimento, que a atuação do Procon não inviabiliza, nem exclui, a atuação da Agência reguladora, pois esta procura resguardar em sentido amplo a regular execução do serviço público prestado. […]” Superior Tribunal de Justiça – RECURSO ESPECIAL: REsp 1 178786 2009/0099101-8 – MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES – DJE 08/02/2011.

[2] [REsp n.º 1566221/DF

[3] “ADMINISTRATIVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO ANULATÓRIA. MULTA APLICADA PELO PROCON MUNICIPAL.. EXAME DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA OFENSIVA AO CDC. APELO PROVIDO. – O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, ainda que tacitamente, a possibilidade de o executado questionar a validade jurídica de decisão do Cade e suspendeu a exigibilidade do título executivo extrajudicial por ele emitido (REsp n. 1.125.661/DF), razão pela que é lícito que a parte, a quem se atribuiu a multa, possa discutir os critérios fáticos-jurídicos que orientaram o órgão fiscalizador a reconhecer a existência de violação a preceitos da legislação consumerista. – Hipótese na qual o apelo deve ser provido para se reconhecer a inexistência de violação de regras de proteção do consumidor e, por conseguinte, para acolher o pedido e anulação da multa administrativa.” (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.21.078724-8/001, Relator(a): Des.(a) Armando Freire , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/03/0022, publicação da súmula em 17/03/2022)

[4] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO EM FACE DO FABRICANTE DE APARELHO MÓVEL CELULAR (ZTE DO BRASIL). PRÁTICA DE INFRAÇÃO CONSUMERISTA. APLICAÇÃO DE MULTA PELO PROCON MUNICIPAL. ILEGALIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MANTIDA. TAXA JUDICIÁRIA. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. O tema em debate está adstrito à reputada ilegalidade da multa aplicada pelo PROCON do Município de Macaé à empresa demandante (…) 2. É cediço que o controle da legalidade do ato administrativo, (…), pressupõe a sua motivação coerente, (…) sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, compete ao Poder Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrativo, ainda que discricionário, para averiguar os aspectos de legalidade. Doutrina. Precedente do TJRJ. (…) 4. Entretanto, depreende-se do procedimento administrativo que a recusa da empresa autora em realizar a substituição do produto estava embasada no laudo da assistência técnica que apontava o mau uso do aparelho celular pelo adquirente do produto. 5. No caso em apreço, não se mostra razoável a sanção administrativa aplicada pela autarquia de proteção ao consumidor calçada na presunção de que o aparelho veio de fábrica com vício, utilizando, para tanto, apenas as palavras do comprador do aparelho celular. 6. O instituto do ônus da prova previsto na legislação consumerista não pode servir de amparo ao PROCON, pois, como visto no bojo dos autos, o procedimento administrativo está instruído apenas com o laudo técnico que aponta a perda da garantia pelo mau uso do aparelho celular.  7. É de bom alvitre registrar a presença da boa-fé da fabricante do aparelho celular através da proposta de substituição do produto no âmbito extrajudicial, formalizada por escrito antes da audiência, soando desarrazoada a decisão do PROCON que aponta descaso e desinteresse da empresa ré.  8. Nesse cenário, prestigia-se a sentença de primeira instância que julgou procedente o pedido autoral para anular a multa aplicada, bem como a inscrição em dívida ativa. (…) 11. Recurso não provido. (0002340-32.2017.8.19.0028 – APELACAO / REMESSA NECESSARIA. Des(a). JOSÉ CARLOS PAES – Julgamento: 27/03/2019 – DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL)

[5] Artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor e Artigos 24 a 28 do Decreto nº 2.181/97.

Amanda Fagundes, advogada da área de Contencioso Cível Estratégico;

Jéssica Santos, estagiária da área de Contencioso Cível Estratégico.

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