Os 30 anos do Código de Defesa do Consumidor ocorrem num momento pontual, em que tanto as empresas, quanto os consumidores têm vivenciado mudanças significativas nos padrões de consumo por conta da pandemia do COVID-19.
Um exemplo latente é que a situação de quarentena e a necessidade de isolamento social transformaram, irreversivelmente, os hábitos de consumo, gerando um expressivo aumento no número de consumidores online.
Por outro lado, diversos segmentos de mercado também se adequaram rapidamente, para atender a esses novos padrões, buscando novas formas de comercializar seus produtos e serviços.
Diante dessas mudanças, temos notado diversas medidas voltadas à ampliação e efetividade das políticas públicas de proteção e defesa do consumidor, bem como para torná-las mais aderentes às melhores práticas internacionais.
Algumas dessas medidas têm sido coordenadas pela SENACON, como por exemplo a adesão do Brasil ao econsumer.gov, uma plataforma que reúne e compartilha reclamações de comércio eletrônico entre diversos países.
A adesão da SENACON como membro do Comitê de Políticas para o Consumo da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, é outra medida interessante que vem de encontro a pautas atuais como o superendividamento e a promoção de mecanismos alternativos para a solução de conflitos.
As entidades governamentais de proteção e defesa do consumidor também têm adotado diversas ações para equacionar as situações pontuais enfrentadas durante a pandemia do COVID-19.
Entre elas, o aumento de práticas abusivas como o aumento injustificado (sem justa causa) dos preços de produtos e serviços, a garantia de acesso à compra de determinados itens essenciais à promoção da proteção coletiva(produtos de limpeza, álcool, etc.), além de reclamações relacionadas às compras online como a não entrega de produtos, problemas com cobrança e produtos com defeitos.
O aumento de preços de medicamentos também tem sido uma prática monitorada, cabendo destacar que o Governo Federal, através da Medida Provisória nº 933/2020, impediu o reajuste dos preços dos medicamentos por 120 dias, contados a partir de maio deste ano. Na prática, a medida vedou somente o aumento de preços de remédios em decorrência da inflação, mas não impossibilitou que a Indústria Farmacêutica eleve o preço em razão da oferta e demanda, o que foi alvo de severas críticas de entidades atuantes da defesa dos direitos do Consumidor.
Por sua vez, a ANS incluiu no rol de procedimentos obrigatórios a realização do teste para COVID-19 e o tratamento para os casos mais graves. Incluiu também, a obrigatoriedade de consultas via teleconferência, a fim de evitar o contato entre o médico e o paciente. Já no Congresso Nacional, também ficou vedado o reajuste de preços anual, praticado comumente pelas operadoras de planos de saúde.
No tocante às rescisões contratuais envolvendo academias e centros de atividades físicas, a SENACON publicou a Nota Técnica nº 2/2020, tratando dos efeitos jurídicos nas relações de consumo, especialmente no tocante aos direitos dos consumidores que contrataram tais serviços, cujas aulas restaram suspensas em razão do risco de propagação do COVID-19.
No segmento do Transporte Aéreo, diversas medidas também foram adotadas de forma a equilibrar as relações entre Companhias aéreas e os passageiros, em razão do cancelamento dos voos em virtude da pandemia. Neste contexto, a Lei nº14.034/2020, além de regular a questão do reembolso dos valores relativos aos voos cancelados durante a pandemia, trouxe também medidas de amparo e incentivo econômico às empresas do setor aéreo, que por óbvio enfrentam severos impactos.
Vemos então, que há um movimento positivo de diversos setores da Administração Pública tanto para proteger o consumidor, como também para equilibrar as relações de consumo com as empresas, para que estas possam superar os impactos gerados pela pandemia do COVID -19.
Constatamos ainda, que neste cenário de crise, em que as fiscalizações e monitoramentos dos Órgãos de Defesa do Consumidor se tornam mais rigorosos, como não podia deixar de ser, é fundamental que as empresas invistam no entendimento das causas raízes das reclamações e dos problemas sinalizados pelos consumidores, trabalhando num ciclo virtuoso que envolva as áreas de negócio, os canais de relacionamento com o consumidor e o jurídico.
Portanto, também será essencial que as empresas possam contar com boas parcerias para apoiá-las na promoção de ações preventivas que certamente evitarão o acionamento administrativo e judicial, além de eventuais autuações.
Eduardo Menezes, advogado especialista em relações de consumo e direito digital. Sofia Rezende, head da área de relações de consumo do S&S, especialista em direito do consumidor, canais de relacionamento e atuação junto aos Órgãos de Proteção e Defesa do Consumidor.