Em recente decisão, o TJSP acabou por autorizar a inclusão de pessoas físicas como parte ativa da recuperação judicial do Grupo CBA, capitaneado pela empresa Coroa Participações, em trâmite em Jundiaí/SP, diante do entendimento da pertinência de um incidente de desconsideração de personalidade jurídica inversa, promovido pelo administrador judicial.
No curso do feito, se identificou que uma série de outras empresas, não incluídas originalmente no processo, compartilhavam serviços, recursos humanos, TI e contabilidade, fontes de investimentos, mútuos internos e outras operações. Por meio delas, e das pessoas físicas a ela relacionadas, as primeiras postulantes do benefício recuperacional teriam, então, promovido seu esvaziamento patrimonial e comprometido seu endividamento, fazendo com que as demais (incluídas recentemente), e as pessoas físicas a elas atreladas, se enriquecessem ilicitamente.
Também se constatou diversas alterações societárias, com evidência de confusão patrimonial e nítido abuso da personalidade jurídica para fins escusos, chegando-se à procedência do incidente, após parecer ratificador do Ministério Público, também chamado a se manifestar.
No entanto, nesse contexto, o alcance da decisão chegou a pessoas físicas, que também se tornaram responsáveis solidárias pelo passivo recuperacional.
Sabe-se que, com exceção da recente inclusão do produtor rural na novel legislação falimentar, após um período de intenso embate jurisprudencial sobre o assunto, pessoas físicas não são contempladas pelo benefício ou pela extensão das consequências do procedimento recuperacional.
No caso dos autos, em que pese tais pessoas estarem em visível conluio com as empresas relacionadas ao feito e no incidente, a solução tomada pelo Tribunal paulista nesse caso inova completamente a ordem jurídica, já que, no decorrer desse processo, carregado de tantas fraudes, é possível se chegar à situação da primeira falência de pessoas físicas no país.
Por outro lado, “se essa moda pega”, os sócios (pessoas físicas) avalistas de operações realizadas por empresas recuperandas – com base no mesmo precedente – podem tentar buscar se incluir em processos de recuperação judicial desde o início, visando fugir de dívidas tidas em relação a eles como extraconcursais, e com isso se beneficiar pelas “vantagens” do longo tempo, do deságio, e de tudo que atualmente mais têm prestigiado as empresas devedoras, em detrimento de uma necessária proteção de credores, os quais têm sido prejudicados por grandes calotes em processos dessa natureza.
Portanto, se tal decisão se mantiver com tais consequências, representará um perigoso precedente jurisprudencial, que mal manuseado, pode trazer consequências nefastas para todo mercado que busca recuperar créditos de empresas em recuperação judicial.
Sylvie Boechat, head das áreas de Cível Consultivo & Contencioso no S&S.