Após 15 anos de sua criação e ainda sob os impactos dos reflexos recentes ocasionados pela pandemia do novo Corona vírus, a Lei Federal n. 14.112/20, que contempla alterações na Lei de Recuperação Judicial e Falências, foi sancionada em 24 de dezembro de 2020 pelo Presidente Jair Bolsonaro, com seis vetos.
Buscando tornar os processos mais céleres e modernizar os mecanismos judiciais e extrajudiciais, com base em práticas já utilizadas internacionalmente, a mencionada lei de reforma trouxe, não só mudanças nos procedimentos de Recuperação Judicial e Falência de empresas em dificuldade – incluindo, entre elas, a possibilidade de apresentação de um plano alternativo de recuperação, pelos credores, quando esgotado o prazo para votação do plano proposto pela recuperanda, ou quando esse for rejeitado – mas também, contemplou vantagens no tratamento das dívidas tributárias dessas empresas.
Nesse ponto, uma alteração bastante favorável às empresas em crise se deu pelo aumento do prazo de parcelamento do pagamento das dívidas governamentais para 120 meses, bem como, a possibilidade de redução de até 70% do valor total devido a esse título, mediante avaliação de alguns parâmetros, como a possibilidade de haver a falência da devedora; a análise da proporção dos débitos fiscais em relação aos privados; e o volume e porte dos vínculos empregatícios que poderão ser mantidos pela empresa.
Outro ponto de destaque é o incentivo ao financiamento das empresas devedoras, com a prioridade de pagamento de tais créditos, tanto na Recuperação Judicial quanto na Falência, bem como, a permissão da utilização de bens dessas empresas, como sua garantia.
Uma questão que já vinha sendo discutida de forma polêmica na jurisprudência também foi objeto da lei de reforma, no tocante à possibilidade de ajuizamento de Recuperação Judicial por produtor rural, desde que comprove o exercício da atividade por, no mínimo, 2 anos, com apresentação da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou documento similar. Ele também poderá optar pelo plano especial de recuperação judicial, de maneira similar aos microempresários, se o montante total devido não ultrapassar R$ 4,8 milhões.
Também merece frisar o reinício de outras atividades pelo empresário falido. Com a reforma, o prazo de inabilitação foi reduzido para três anos, prestigiando o chamado “fresh start”. Assim, com o encerramento da empresa falida de forma mais ágil, seja pela venda de suas operações a eventuais interessados e a resolução das dívidas, busca-se permitir ao empresário o seu recomeço no exercício de outras atividades, o quanto antes, prestigiando-se, assim, o empreendedorismo, em detrimento da arcaica visão punitiva do processo falimentar.
Nessas breves linhas, não exaurientes acerca de todas as mudanças trazidas pela Lei 14.112/20, merece-se, por fim, pontuar a inovação representada pela introdução de um capítulo específico para o tratamento da insolvência transnacional, utilizando-se como base a Lei Modelo da Uncitral (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional). Entre outros pontos, foram disciplinados, o acesso à jurisdição brasileira, a cooperação com autoridades e representantes estrangeiros, o tratamento dado no Brasil a credores estrangeiros e o reconhecimento de processos estrangeiros.
Sobre os vetos, em si, entendeu o senhor Presidente da República pela impossibilidade de se manter a suspensão dos processos de execução trabalhistas até a homologação do plano de recuperação judicial ou a sua convolação em falência, pois isso representa um descompasso com a própria legislação, a qual prioriza a satisfação dos créditos dessa natureza.
Com a justificativa de usurpação de sua competência, o Presidente da República vetou a previsão da inclusão do caso fortuito e força maior como hipóteses excludentes de cobrança das Cédulas de Produto Rural (CPR), apontando que caberia ao Ministério da Agricultura definir quais atos e eventos se enquadrariam nessas circunstâncias.
Foram ainda vetados alguns dispositivos por ausência de estudo do provável impacto financeiro, impedindo-se a concessão de benefícios fiscais na renegociação das dívidas das recuperandas, bem como, a isenção de alguns impostos sobre o lucro oriundo da alienação de bens.
O artigo que trata da possibilidade de recuperação judicial de cooperativas médicas também foi vetado, sob a argumentação de ferir a isonomia, em relação aos demais modelos societários.
Por fim, foram vetados dispositivos que permitem a venda de bens livres de ônus, objeto de alienação judicial decorrente do plano de recuperação judicial aprovado, sem sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, incluídas as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista. O veto se deu pelo entendimento de que a previsão é contrária às disposições legais ambientais e de anticorrupção.
No tocante ao seu status, a Lei 14.112/20 será submetida à apreciação do Congresso Nacional para análise dos vetos, os quais poderão ser derrubados pelo voto da maioria das duas Casas legislativas.
Assim, espera-se que a Lei 14.112/20, em sua versão final, ao ser promulgada, e na sua execução, contribua para o aperfeiçoamento dos institutos de Recuperação Judicial e Falência, objeto da Lei 11.101/05, preservando-se as empresas em crise e facilitando a resolução mais célere de seu endividamento, sem, no entanto, prejudicar os direitos dos credores, os quais têm sido muito afetados pelo manejo inadvertido da Recuperação Judicial, no tocante ao equilíbrio da relação devedor – credor.
Sylvie Boechat, advogada head das áreas de cível consultivo, contencioso e recuperação de créditos.
Mariana Simeão, advogada especialista em consultoria cível e contencioso cível estratégico.