A inconstitucionalidade do bloqueio administrativo de bens de devedores

A lei 13.606/18 entrou em vigor em 9 de janeiro deste ano e é mais uma iniciativa legislativa de moralidade e legalidade duvidosas. Trata-se de lei que institui o Programa de Regularização Tributária Rural, mas que traz em seu bojo inovações legislativas secundárias. De forma mais precisa, a lei autoriza a União a administrativamente tornar indisponíveis os bens dos devedores inscritos na Dívida Ativa.

Pela referida lei, após o devedor inscrito na dívida ativa da União ser notificado, a credora poderá proceder à inscrição do débito nos órgãos de proteção ao crédito e bancos de dados. Além disso, a União poderá proceder à averbação das dívidas perante os órgãos de registro de bens e direitos, tornando-os indisponíveis.

Em resumo, a União outorgou-se o direito de inscrever o nome de seus devedores no SPC e no SERASA e de, unilateralmente, tornar indisponível o seu patrimônio. Não é necessário um grande esforço para perceber que isso outorga à União poder que facilmente pode ser abusado ou utilizado ”equivocadamente”. Não raro a Fazenda cobra, por meio de Execução Fiscal, crédito indevido, forçando o cidadão a se valer do Poder Judiciário para se defender de cobrança indevida. Os gastos com a contratação de advogado, obviamente, não são indenizados pela União.

Ademais, a referida norma é um claro retrocesso diante da evolução legislativa que se apresentava. Em 2004 entrou em vigor uma série de mudanças legislativas autorizando a União a não questionar ou não dar seguimento a processos referentes a pequenos valores. Agora cria-se um mecanismo no qual a dívida não é cobrada judicialmente, mas o devedor tem seu patrimônio congelado por mero ofício da Fazenda até seu pagamento.

Não bastasse a imoralidade de tal previsão legal, sua inconstitucionalidade é notória. O Artigo 5º, em seu inciso LIV, é expresso ao afirmar que ”ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A indisponibilidade por requerimento administrativo, sem o devido processo legal, obviamente, é uma privação do direito de propriedade, pois impede que o suposto devedor exerça sua faculdade de dispor de seus bens.

A indisponibilidade pode recair sobre contas bancárias e não é sem precedente o dano causado ao congelamento de contas utilizadas para movimentar os recursos necessários à sobrevivência. Também não é sem precedentes o dano que a indisponibilidade patrimonial pode causar aos supostos devedores e aos adquirentes de boa-fé de bens futuramente tornados indisponíveis. E com certeza tal medida vai punir especialmente os pequenos devedores, cujos débitos são inferiores aos gastos com advogados para defendê-los judicialmente.

O Estado não produz, arrecada impostos sobre os bens que os cidadãos produzem. Em fase de recessão, a arrecadação cai, forçando o Estado a aumentá-la, seja através do aumento das alíquotas, seja por formas mais criativas. Quando a crise passar, a arrecadação extra será vinculada a novos gastos (pois o padrão nacional é nunca reduzir a tributação), o que significa que na próxima crise (e sempre há uma próxima crise) o Estado vai ter que aumentar novamente a arrecadação. Se a referida sanha arrecadatória não for combatida, em breve veremos todo o dinheiro que sabemos de onde vem, ir para ninguém onde.
 
Paulo T. Vasconcellos é vice-presidente do Instituto Santos & Santana de Pesquisa e Estudos em Direito, especialista em Propriedade Intelectual e sócio do Santos Santana Sociedade de Advogados.

Link: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI272907,31047-A+inconstitucionalidade+do+bloqueio+administrativo+de+bens+de

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